A linguagem que conecta

Pragmática no Transtorno do Espectro Autista: a linguagem que conecta

Quando pensamos em linguagem, logo lembramos de gramática, vocabulário e pronúncia correta. Mas a comunicação vai muito além disso: é um fenômeno social que nos permite interagir, compartilhar emoções, fazer pedidos, transmitir informações e construir vínculos.

Esse uso social da linguagem — que envolve também gestos, expressões faciais e tom de voz — é chamado de Pragmática.


O papel da pragmática no autismo

Entre indivíduos no espectro autista, especialmente na adolescência, os desafios pragmáticos tendem a ficar mais evidentes. Isso acontece porque as demandas sociais aumentam: participar de rodas de amigos, compreender ironias, argumentar em um debate ou sustentar uma narrativa são habilidades cada vez mais exigidas.

De forma simples, a pragmática é o uso social da linguagem. Não basta ter um bom vocabulário ou conjugar verbos corretamente — é preciso entender quando, como, com quem e de que forma falar, ajustando a mensagem ao contexto.

Essa habilidade nos ajuda a compreender metáforas, ironias, expressões como “quebrar um galho”, além de regular a vez de falar em uma conversa ou adaptar o tom de voz ao ambiente.


Quando a pragmática se torna um desafio

As dificuldades nessa área podem levar a uma comunicação mais literal: a fala existe, mas nuances e pistas não verbais não são compreendidas. Isso pode gerar impactos importantes, como:

  • Dificuldade em manter diálogos, interpretada como falta de interesse;

  • Fala monológica (sem considerar o outro), que pode afastar colegas;

  • Incompreensão de ironias ou metáforas, provocando constrangimentos;

  • Rigidez no discurso, dificultando a adaptação a diferentes contextos, como escola, família e grupo de amigos.


O que a ciência revela

  • Cerca de metade das crianças autistas que desenvolvem fala não a utilizam de forma funcional no cotidiano.

  • Existe uma relação direta entre gramática, vocabulário e pragmática: quanto melhor o desempenho em um, maior tende a ser no outro.

  • A fala espontânea é um dos métodos mais eficazes para avaliar a pragmática, pois mostra como a linguagem é usada em contextos reais.


Caminhos para o desenvolvimento

Trabalhar a pragmática no TEA é abrir portas para que crianças, adolescentes e adultos possam não apenas falar, mas também se conectar, compartilhar e construir relações.

E a boa notícia é que esse treino não precisa acontecer em ambientes artificiais. Quanto mais real for o contexto, maior será o aprendizado. Algumas estratégias eficazes incluem:

  • Rodas de conversa;

  • Jogos de papéis (role play);

  • Leitura compartilhada.

A atuação da fonoaudiologia e da psicologia é essencial para preparar a pessoa autista para situações sociais, integrando fala e contexto. Mas a participação da família e da escola também é decisiva:

  • Dar tempo para que a criança ou adolescente elabore suas respostas;

  • Valorizar qualquer tentativa de interação, mesmo que fora do padrão esperado;

  • Promover momentos de socialização com pares da mesma idade.


Conclusão

O ponto de partida é simples e poderoso: toda tentativa de comunicação deve ser valorizada e respeitada.
A pragmática é a chave que abre portas para as relações sociais e fortalece recursos para enfrentar os desafios da vida com mais autonomia, segurança e confiança.


✍️ Autoria
Bárbara Reis do Nascimento
Mestre e Fonoaudióloga (CRFa 6-10804)
Coordenação Fonoaudiológica – Protea Vitória


Referências

BATISTA, L. S. et al. Desempenho pragmático de crianças com Transtorno do Espectro Autista: uma análise da fala espontânea. Revista CEFAC, v. 19, n. 1, p. 62-73, 2017. Disponível aqui.: https://doi.org/10.1590/1982-0216201719114816.

LAMÔNICA, D. A. C.; FERREIRA-VASQUES, A. T. Pragmática no Transtorno do Espectro Autista: uma revisão integrativa da literatura. Distúrbios da Comunicação, v. 31, n. 1, p. 168-179, 2019. Disponível aqui.

: https://revistas.pucsp.br/index.php/dic/article/view/40794.

MOTA, H. B. et al. Protocolo de Avaliação de Habilidades Pragmáticas para Escolares com Autismo (PAHPEA): evidências iniciais de validade. CoDAS, v. 34, n. 2, e20200253, 2022. Disponível aqui.

: https://doi.org/10.1590/2317-1782/20212020253.